O Eco da Doninha

Este e-space foi criado com o intuito de mostrar de como as pequenas coisas insignificantes podem encerrar verdades ainda mais insignificantes. Isto é um eco, pois qualquer resposta dada não tem mais qualidade que a pergunta feita.

segunda-feira, julho 25, 2005

A informação não tem preço

Crónicas do Metro

Finalmente, o fim da grande Saga das crónicas do metro! Como não poderia deixar de ser esta obra teria que ser uma trilogia, mas caso sofra um espasmo de originalidade talvez as crónicas não conheçam aqui o seu término. Talvez uma segunda trilogia, mas cuja história decorrera antes da primeira, seria no mínimo inovador e genial...

Estação: Cais do Sodré, 25 de Julho 2005, 08:25

Mais um dia de trabalho sob sol matinal prematuramente intenso. A estação já se encontra apinhada e mais uma vez a pressa lisboeta começa a sentir-se no ar...

Se os lisboetas têm que sair de casa à pressa e têm que obrigatoriamente se esquecer de algo, por que não se esquecem de tomar o pequeno-almoço, em vez de se esquecerem de passarem o Nívea Deo Roll-On Aqua Cool Extra Fresh 48 hours Protection?

À medida que me aproximo dos carris reparo mais uma vez naquela figura de casaco esverdeado, boné branco e olhos raiados do sono que ainda não perdeu.
Esta figura é um jovem que todas as manhãs distribui a edição diária do jornal do metro, cujas mentes brilhantes que o criaram para não causarem muita confusão na cabeça simples dos seus leitores, decidiram chamar "Metro".
De facto, se no Metro me dessem um jornal chamado "Comboio a Vapor" ou "Trotinete", eu nunca o iria ler.

Mas este jovem chamou-me à atenção por uma simples razão, a maioria das pessoas que entra nesta estação já leu o dito jornal, ou seja, praticamente NINGUÉM aceita o jornal que o rapaz tão gentilmente procura distribuir.

Conclusão, mete dó ver o jovem a gesticular com um jornal enrolado. Um jovem com tanto potencial braçal poderia facilmente arranjar trabalho na TAP para substituir o Manuel Reis, 65 anos, recém-reformado, eleito 5 vezes controlador de tráfego aéreo do ano.

Por isso dirigi-me a ele e indaguei-o:

- Olha, desculpa perguntar isto, mas por que fazes isto, não arranjas melhor?

- Não tem mal. Eu só faço isto antes de ir para as aulas porque desde que o meu pai morreu tenho que trazer dinheiro para casa se quero continuar a estudar.

- Sinto muito, pá. Tão novo e já sem pai, deve ter sido difícil...

- Ainda era muito novo quando ele morreu... Foi há aproximadamente 7 anos, ele estava a passar a estrada, veio um taxista desgovernado e...

- Ok, não fales mais nisso. Sinto muito por ti e, olha, só te posso desejar boa sorte...

E assim seguimos ambos com as nossas vidas e eu a prometer que nunca mais questionaria as pessoas no metro...


Estação: Marquês do Pombal, 25 de Julho 2005, 13:42

Caminhar nesta estação é praticamente impossível, é uma das estações que é ponto de ligação entre duas linhas, por isso tem sempre imensa gente.
Á medida que ia contornando toda aquela gente apressada, reparo noutra figura de casaco esverdeado...

Onde será que eles arranjam estes casacos tão fixes?

Trata-se um homem de estatura baixa que passa o dia a segurar a revista Cais, mas apenas a exibe, não a tenta distribuir e tem sempre com um sorriso giocondiano.

Mas afinal este pessoal quer ir todo para a TAP?

Já o estava a imaginar no terminal do aeroporto com um cartaz a dizer "Stevens Family, this way", quando a minha viagem mental é interrompida por um súbito desejo de quebrar uma promessa matinal...

- Olhe, desculpe, mas podia dizer-me porque não tenta distribuir a revista e passa o dia a sorrir?

- Oh meu rapaz, eu não estou aqui para distribuir a revista.

- Então?- A revista é só um pretexto. A minha vida já não existe. As drogas consumiram-me.... Perdi a minha mulher, o meu filho, a minha casa em Setúbal, até o meu táxi... E agora o que posso fazer é sorrir para as pessoas para que elas percebam que a vida é bela e que não devem desperdiçá-la...

Afastei-me a pensar que as promessas foram feitas para serem cumpridas...

Estação: Campo Grande, 25 de Julho 2005, 18:52

Mais um dia de trabalho que chega ao fim ainda sob um intenso calor.
Ao afrouxar o nó da gravata, reparo num rosto conhecido. Trata-se de um rapaz que anda a pedir, bem, ele diz que não pede...
Oferece um jornal em troco de uma moeda, é diferente.

Como eu sou um mãos largas (apesar o facto de ele ter 1,94 m e ser um pouco intimidante também pesar) dou-lhe quase sempre uma moeda mas nunca aceito o jornal.
Mal os nossos olhares se cruzam, ele arregala os seus olhos de águia como se tivesse avistado o seu coelho predilecto.
Ao dar-lhe a moeda, ele pergunta:

- Não queres um jornal?

E num momento de loucura misturada com um pouco de rebeldia própria da idade, enchi-me de bravura e disse:

- Se não for muito chato para si, agradecia, faxavor...

- Fazes bem! Estes que tenho aqui são recentes.

À medida que percorro o lote, reparo nas datas, 25 Março de 1998, 13 Abril de 1995, 24 de Outubro 1988. Parei de imediato não fosse encontrar um jornal a dizer:

"Vasco da Gama vira à direita na Etiópia e chega à Índia" e disse-lhe:

- Olha mas tu és mesmo um tipo nostálgico ou assaltaste o arquivo nacional?

- Nostál? quê?

- Ok, foi o arquivo. Dá-me aí esse, o de 98.

- Esse não o posso dar... Tem um valor sentimental para mim...

- Mas porquê?

- No dia em que li uma notícia nesse jornal reparei que andava a desperdiçar a minha vida.
Tudo pode mudar de um momento para outro tudo. E guardo essa notícia comigo e sempre que preciso de força, leio-a. Posso até dizer que acho consegui largar o vício graças a ela.

- Compreendo, perfeitamente... "França ganha título mundial frente ao Brasil".

- Não pá, a que está no fundo! O metro chegou, entro, sento-me e acrescento uma directriz à promessa que tinha feito ainda com sono...

Nunca mais ler a informação que me passam no metro.

Isto para nunca mais ver coincidências como:"Taxista de Setúbal sob efeito de heroína mata peão na passadeira"...

segunda-feira, julho 04, 2005

Telecomando: O Monstro

A invenção do telecomando foi pensada com o objectivo de aumentar a comodidade do telespectador. (Desde já dirijo o meu agradecimento a esse génio da tecnologia que impediu com que eu tenha de me levantar aquando do tempo de antena dedicado aos spots publicitários). Na altura, ninguém sabia, mas foi criado um monstro.
Eu tenho uma teoria que defende o carácter mágico do comando do televisor. Toda a gente luta desenfreadamente pela sua tutela, não olhando a meios para o conseguir. E, se existem frases que nunca, repito, NUNCA saem da boca de quem quer que seja, esta está no topo do ranking mundial: «Queres que te chegue o telecomando? Vá lá? Muda de canal e dá-me a volta aos miolos com o zapping!» A estes fenómenos autorizei-me a chamar Telecomandodependência.
Se pensarmos a fundo nesta questão, veremos o quão responsável é o telecomando pelo desabamento de estruturas emocionais de uma família.
-«Quem te autorizou a mudar de canal? Eu cheguei aqui primeiro!»
-«Mas estás a ler o jornal?»
-«Por acaso ando a seguir aquela série»
-«Série?... Mas estava a dar as televendas?»
-«Ahh? pois? Então põe lá nas televendas e passa para cá o comando!»
Discussões destas levam milhares de casais ao divórcio. E, na altura da separação dos bens, há sempre uma das partes que mantém a sua postura soberana:
-«Ficas com o carro, com o puto e com a casa. MAS o comando vai comigo!!!»
E ainda há outro factor que me faz acreditar que o comando da televisão tem o poder de nos tornar estúpidos. Por que raio quando o comando fica sem pilhas TODA A GENTE pensa que isso se resolve carregando violentamente nos botões? Só queria dizer isto, o comando é feito de matéria inorgânica, não pensa, por isso não reage a estímulos de fúria. Não adianta acreditar que o telecomando voltará a funcionar pura e simplesmente por estarmos zangados com ele.
Coisas da vida?..